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quinta-feira, 27 de março de 2014

EUA e os direitos humanos na América Latina


O relatório de Direitos Humanos apresentado pelos EUA aponta problemas nos países que não rezam pela cartilha de Washington e ignora Honduras e Colômbia.


Juan Manuel Karg (*)
Arquivo

Tempos atrás apareceu o informativo anual sobre direitos humanos no mundo realizado pelo Departamento de Estado norte-americano. Na América Latina, o Equador se somou à lista de violadores dos direitos humanos na qual Venezuela e Cuba estão há dez anos de forma ininterrupta. Que países do continente não aparecem no documento e por qual motivo? Por que Honduras, país com crescente perseguição a jornalistas e a trabalhadores rurais desde o golpe de 2009, foi retirada dos casos “preocupantes” para os Estados Unidos? O caso paradigmático é o da Colômbia.

No início de março, o Secretário de Estado John Kerry apresentou diante da opinião pública internacional o relatório anual de direitos humanos na América Latina, por meio do qual os Estados Unidos se outorgam a condição de “fiscal” das democracias em nosso continente, observando o desempenho das mesmas. No polêmico texto, o Equador é integrado à lista de países que, a partir da avaliação do Departamento de Estado, desrespeitam os direitos humanos em nosso continente. A entrada do país governado por Rafael Correa nesta lista seria a suposta diminuição das liberdades de expressão, de imprensa e de associação no país.

Quito respondeu o informativo, caracterizando o documento como “unilateral” e questionando a legitimidade de Washington neste quesito. No texto, afirma que os Estados Unidos têm “um pobre histórico em relação ao cumprimento dos direitos humanos nos últimos anos”, recordando a responsabilidade da administração Obama nas prisões ilegais e torturas realizadas na prisão de Guantánamo; sua persistência no bloqueio a Cuba, fato sistematicamente condenado por uma abrumadora maioria na Organização das Nações Unidas (ONU); e o uso – e abuso – de aviões não tripulados contra populações civis, além da persistência da pena de morte em diversos estados norte-americano.

A resposta apresentada pelo chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, dá conta da não ratificação, por parte de Washington, de cinco instrumentos internacionais vinculados ao tema: a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), a Convenção Universal contra a Tortura, a Convenção Universal sobre os Direitos da Criança, a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e seus Familiares, e a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

Assim, a conclusão que emerge do texto poderia ser muito bem uma sugestiva pergunta: qual é a posição de onde Washington pretende “avaliar” o respeito ou não aos direitos humanos em nosso continente, visto e considerando que desdenhou, tal como o Equador expôs, algumas de suas ferramentas?

Outro dado do relatório chama atenção: a ausência de Honduras na lista de violadores. Nesse país, desde o golpe de Estado de 2009 até a atualidade, foram assassinados 29 jornalistas, e aumentou a perseguição ao movimento de trabalhadores rurais durante o mandato de Lobo, conforme denunciou a organização Via Campesina internacional em setembro do ano passado. Tudo isso sem mencionar as polêmicas eleições presidenciais do final de 2013, em que o conservador Juan Orlando Hernández ultrapassou com uma escassa margem Xiomara Castro de Zelaya, em um momento em que a veracidade de muitas cédulas eleitorais foi questionada por observadores internacionais presidentes em Tegucigalpa. As duas questões, a situação dos direitos humanos “cotidianos” no país, e as denúncias sobre a própria eleição presidenciais, foram sistematicamente menosprezadas pelos meios de comunicação privados do continente, e não aparecem referenciadas no documento de Washington.

E a Colômbia? Lá, recentemente, a candidata à vice-presidência Aída Avella sofreu um atendado com 14 tiros que atingiram seu carro em uma caravana da campanha. Isso, somado às cassações políticas do prefeito de Bogotá Gustavo Petro e da ex-senadora e defensora dos direitos humanos Piedad Córdoba, e da prisão de dirigentes do movimento Marcha Patriótica. O país não teve lugar no relatório – apesar da acusação de execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados por parte das forças do Estado. A Colômbia, para além das evidências que o informativo mostra ou que deliberadamente ignora, não aparece na lista de violadores de direitos humanos, sendo um dos países onde é mais difícil exercer oposição política em nosso continente, tal como demonstram os fatos já mencionados.

A variável ideológica influencia na hora de “fiscalizar” as democracias para os Estados Unidos: os países da “lista” em nosso continente pertencem majoritariamente à ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) e exerceram um papel de destaque em outras instâncias de integração autônomas com relação a Washington, tais como a Unasul, Celac e Mercosul, junto dos governos pós-neoliberais do continente. Para finalizar, ficam abertas algumas questões sugestivas, levando em consideração o que foi exposto. A “condenação” do Equador se deve à situação dos direitos humanos no país, ou melhor, à posição de contestador que o governo Correa assumiu nas cúpulas internacionais contra a ingerência norte-americana em nosso continente? Quanto influenciaram as declarações públicas de Correa em torno do papel regressivo que a “Aliança do Pacífico” ocupa em nosso continente para que os EUA incluíssem o Equador nesta lista de violadores?

(*) Licenciado em Ciência Política pela UBA (Universidade de Buenos Aires). Pesquisador do Centro Cultural da Cooperação – Buenos Aires

Tradução: Daniella Cambaúva

Fonte: Carta Maior

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