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segunda-feira, 24 de março de 2014

EUA e aliados empurraram Rússia a intervir na Ucrânia


Os acontecimentos envolvendo a Ucrânia indicam que está em marcha uma nova estratégia norte-americana para desestabilizar Moscou.



Reginaldo Mattar Nasser (*)



A escalada da crise na Ucrânia fez com que as bravatas belicistas atingissem o seu mais alto nível nos EUA. Alguns anunciam uma Nova Guerra Fria, outros não ficam por menos e já prevêem uma Terceira Guerra Mundial. A ex-secretária de Estado ,Hillary Clinton, comparou as ações de Putin com o que fez Hitler no acordo de Munique em 1938. Reportagens, editoriais e comentários nos principais jornais, como New York Times e Washington Post, já não respeitam padrões mínimos do jornalismo. (Distorting Russia. How the American media misrepresent Putin, Sochi and Ukraine. Stephen F. Cohen March 3, 2014 edition of The Nation) Tem razão, o professor Stephen Cohen quando observa que a cobertura que a mídia norte-americana faz hoje, sobre a crise na Ucrânia, é menos objetiva e equilibrada do que quando cobriam a União Soviética durante a Guerra Fria.
Alguns analistas tentam encontrar os desígnios do Líder Russo num longíquo passado heróico dos Czares. Revanchismo, desejo de vingança, ódio, complexo de superioridade são algumas das adjetivações que têm se repetido nos últimos dias na tentativa de compreender a anexação da Criméia pela Rússia.

Mas, será que não podemos admitir, ainda que hipoteticamente, que Putin esteja agindo de modo racional, capaz de pesar os custos, benefícios e consequências associados aos seus propósitos?

Não precisamos lembrar que é evidente que Putin possui todos os atributos de alguém que foi treinado para ser um agente da KGB que já pode demonstrar, fartamente, o modo autoritário que governa a Russia durante mais de uma década. Mas isso não significa dizer que ele não compreende os riscos de uma ação tresloucada.

Convenhamos que, nesse momento, Putin poderia até transformar a Rússia em “Estado pária” agindo militarmente na Ucrânia. Mas sua ação foi ponderada, levando em consideração as circunstancias altamente explosivas, o que fez com que sua popularidade entre os russos aumentasse. (Is Putin Rational? Probably. Here's How to Work With Him Alexander J. Motyl March 18, 2014).

A Alta Representante da União Europeia, Catherine Ashton, declarou que estava "tentando enviar os sinais mais fortes possíveis para a Rússia... tentando garantir que eles compreendessem a gravidade da situação." Ora, quem realmente que não consegue entender a gravidade? Rússia ou os EUA e seus aliados ( qualificação mais apropriada do que Ocidente)? ( A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 )

Nas semanas tensas que se seguiram à mobilização popular em Kiev vários senadores dos EUA fizeram da praça Maidan seu palanque favorito para atacar a Rússia e seus líderes causando frisson na grande mídia. O senador republicano John McCain apareceu nos jornais e redes de notícias fazendo discursos inflamados ao lado de conhecidos neonazistas ucranianos. (Sen. John McCain appearing with Ukrainian rightists at a rally in Kiev.) Na sequência do golpe, foi montado um governo com pessoas claramente hostis à Russia, principalmentes nos cargos de segurança e defesa. (Who's Who In Ukraine's 'Kamikaze' Cabinet)

Na verdade, todo esse processo ocorreu da seguinte maneira: os EUA e aliados “empurraram” a Russia para intervenção, sabendo claramente que não restaria a Putin nenhuma outra opção a não ser a anexação da Crimeia. Era isso ou a submissão.

A premiada jornalista norte-americana, Anne Applebaum, especialista em questões do leste europeu chegou à seguinte conclusão: desistam! A Russia não é como nós (ocidente) e também não é uma potência ocidental fracassada que pode ser convertida. A Rússia é uma potência antiocidental com uma visão diferente da política internacional!

O “Ocidente” (isto é, os EUA e seus aliados) "força" a intervenção e, quando ela ocorre, eles se dizem indignados. Esta não é uma tática que soa familiar aos padrões de ação internacional de Washington?

Ações norte-americanas de “pró-democracia” chegam à porta russa

O presidente do National Endowment for Democracy, Carl Gershman, um dos principais distribuidores de dinheiro para ações "pró-democracia" no mundo, e que contribuiu nos protestos em Kiev, advertiu, ano passado, que Putin arriscava perder não apenas os vizinhos mais próximos, mas a própria Rússia. Há dois anos, McCain tuitou, "Querido Vlad, Primavera árabe está chegando nos vizinhos perto de você." (A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 ).

Robert Craig, secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan, um dos cofundadores da Reaganomics, tem posições opostas aos de seus ex-aliados republicanos que conhece muito bem. Para Craig, quem esta sob ataque, no momento, não é a Ucrania, mas a própria Russia.

Tudo isso faz com que voltemos ao inicio dos anos 80 para compreender qual a doutrina que esta sendo adotada no momento. De acordo com a versão oficial da história, a ajuda da CIA para os Mujahadeen teve início em 1980, depois que o exército soviético invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979. Mas, na verdade a história da guerra começou, em 3 de julho de 1979, quando o então presidente Carter assinou a ordem para ajuda secreta aos opositores do regime pró-soviético de Cabul. Vinte anos depois (1998), o então secretario de segurança de Nacional, Zbigniew Brzezinski, veio a público esclarecer que naquele mesmo dia, ele escreveu uma nota ao presidente explicando que esta ajuda iria induzir uma intervenção militar soviética. (January 15, 1998 Zbigniew Brzezinski)

Brzezinski e Bernard Lewis eram membros do Grupo Bilderberg formado, em 1979, quando formularam a estratégia angloamericana para o Oriente Médio. Lewis argumentou que o Ocidente deveria encorajar grupos tribais e religiosos a reivindicar sua autonomia. Se o poder central é suficientemente enfraquecido, não há verdadeira sociedade civil para manter uma identidade nacional. O caos político poderia transbordar para as regiões muçulmanas da União Soviética, configurando aquilo que Brzezinski denominou "arco de crise". (ver entre outros. Robert Dreyfuss, Devil’s Game: How the United States Helped Unleash Fundamentalist Islam. Owl Books, 2005)

No final da década de noventa, Brzezinski, publicou um livro bastante comentado entre os policymakers norte-americanos (“The grand chessboard: American primacy and its geostrategic imperatives”, 1997). Nele, preconizava que uma nova ordem mundial, sob a hegemonia dos EUA, deveria ser criada contra, e sobre, os fragmentos da URSS. Nesse sentido, a Ucrânia aparecia como o posto avançado de uma estratégia para evitar a recriação do Imperio Soviético.

Em artigo escrito numa das mais importantes revistas norte-americanas sobre Politica Internacional, Foreign Affairs, em 2010, (From Hope to Audacity Appraising Obama's Foreign Policy January/February 2010) Brzezinski avalia positivamente o governo Obama que “ tem demonstrado um genuíno senso de direção estratégica, uma sólida compreensão do mundo de hoje e um entendimento sobre o papel que os EUA deveriam assumir”. Mas, fez algumas ponderações sobre suas relações com a Rússia.

Para Brzezinski, os EUA deveriam prosseguir uma política de duas vias: tem de cooperar com a Rússia sempre que for mutuamente benéfico, e não deve tolerar “ações de intimidações” na Geórgia ou na Ucrânia ( “heartland” industrial e agricola da URSS). Qualquer hesitação dos EUA, adverte Brzezinski, seria um passo para trás estimulando a nostalgia imperial da Rússia e os temores de segurança da Europa central. Acrescentou ainda, em tom de conselho, que os EUA e a UE deveriam ser mais ativos e sensíveis às aspirações européias da Ucrânia.

Reafirmar o interesse de longo prazo dos EUA,esclarece Brzezinski, é fortalecer o “pluralismo político dentro do antigo espaço soviético”.

Soa algo exagerado afirmar que estamos iniciando uma Nova Ordem Mundial, mas podemos afirmar com, razoável grau de certeza, de que o leste Europeu será importante foco de tensão, além de impactos consideráveis nas questões Siria e Irã (acordo Nuclear).

(*) Chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC(SP) e professor do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP)

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