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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Vigilância global: Casa Branca isola-se mais um pouco

Legenda imagem: Edward Snowden com prêmio Sam Adams de integridade em inteligência, com ex-funcionários do governo dos EUA Coleen Rowley, Thomas Drake, Jesselyn Raddack, Ray McGovern, e Sarah Harrison do Wikileaks. Fotografia: Sol Imprensa / Getty Images
Edward Snowden ao lado ex-funcionários do governo dos EUA Coleen Rowley (ex-FBI), Thomas Drake (ex-NSA), Jesselyn Raddack, Sarah Harrison do Wikileaks e Ray McGovern (ex-CIA).
Antigos funcionários na inteligência norte-americana premiam Snowden em Moscou. Comitê para Proteção de Jornalistas compara Obama a Nixon


Por Cauê Seignemartin Ameni
Sumido desde agosto, após despistar o governo norte-americano e conseguir asilo político na Rússia, o ex-analista de sistema da Agência Nacional de Segurança (NSA), Edward Snowden reapareceu quarta-feira passada (09/10) em cerimônia organizada por ex-agentes da inteligência norte-americana, críticos assíduos da vigilância estatal.
Responsável por revelar o maior esquema de espionagem em massa da história, Snowden recebeu o prêmio Sam Adams Awards, oferecido pela associação Sam Adams Associates for Integrity in Intelligence. A associação reúne agentes aposentados da segurança nacional norte-americana e premia, anualmente, profissionais do serviço de inteligência que tenham se distinguido pela integridade ética. Uma comissão composta por Ray McGovern, ex-analista da Agência Central de Inteligência (CIA); Coleen Rowley, ex-agente do FBI; Jesselyn Radack, ex-autoridade no Departamento de Justiça; e Thomas Drake, ex-alto funcionário da NSA, se deslocou dos Estados Unidos à Rússia para homenagear o mais novo inconfidente. Uma ironia: o país é presidido pelo ex-espião do KGB, polícia secreta da antiga União Soviética, Vladimir Putin.
Vídeos do encontro foram postados no portal do Wikileaks, na madrugada do sábado (12/10). Neles, o ex-analista foragido, acusado pela corte norte-americana de violar a Lei de Espionagem, em vigor desde 1917, no final da Primeira Guerra Mundial, voltou a apontar a hipocrisia do governo, que insiste em perseguir “alguém que diz a verdade”, enquanto se “nega a processar altos funcionários que mentiram ao Congresso e ao país”.
Com clareza política, o jovem esmiuçou a falta de transparência do governo: “é uma tendência que se verifica na relação entre governantes e governados, nos Estados Unidos, e cada vez mais conflitante com o que espera um povo livre e democrático. Se não podemos entender as políticas e programas do nosso governo, não podemos dar consentimento para sua regulação”.
Snowden deixou claras as diferenças entre a legalidade das instituições e a ilegalidade praticada por elas: “existe um grande abismo entre os programas legais, a espionagem legítima, a polícia legítima, e um tipo de vigilância em massa que, sem necessidade, põe toda a população sob a vigilância de um grande olho que vê tudo”.
O prêmio, que em 2010 foi dado ao Wikileaks e Julian Assange, leva o nome de Samuel A. Adams, ex-analista da CIA reconhecido por acusar oficiais militares da Guerra do Vietnã de subestimar, com fins políticos, a força do inimigo. A ex-agente Collen Rowley, presente na cerimônia, foi a primeira a ser premiada, em 2002, por denunciar o descaso das agências de segurança na investigação de evidências sobre o planejamento do ataque de 11/09/2001.
O ex-agente da NSA Thomas Drake, quarto whisteblower na história dos EUA, conseguiu em 2011, após intensa briga judicial, fazer com que o governo retirasse as principais acusações contra ele. Ao depor semana retrasada no Comitê de Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu, acusou os Estados Unidos de utilizar o manual da Stasi, antiga polícia secreta da Alemanha Oriental, como modelo para seu próprio regime de vigilância patrocinado pelo Estado.
Barack Obama, Francois Hollande
De mal a pior
Enquanto isso, no outro lado do Pacífico, Obama continua recebendo duras criticas. O Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) apontou, em relatório apresentado na quinta-feira (10/10), a crescente ameaça à liberdade de imprensa no país. Nele, o relator Leonard Downie Jr, ex-diretor executivo do Washington Post, afirma que “a guerra do governo aos vazamentos e outros esforços para controlar as informações são os mais agressivos desde a administração Richard Nixon, quando eu era um dos editores envolvidos na investigação do caso Watergate no Washington Post”. O documento cita declarações de profissionais importantes do The New York Times (NYT), maior jornal do país, como a do repórter de segurança nacional, Scott Shane, quando afirma que as fontes estão “morrendo de medo.”
De acordo com o relatório, houve apenas três processos desse tipo em todas as administrações dos EUA anteriores a Obama. Sob o democrata, porém, seis funcionários do governo e dois prestadores de serviços, incluindo Edward Snowden, já foram alvo de processos criminais pela Lei de Espionagem, e ainda há investigações sobre vazamentos em andamento. Para James Goodale, advogado geral do NYT durante as lutas épicas contra a administração Nixon, “Obama vai passar Richard Nixon como o pior presidente em questões de segurança nacional e liberdade de imprensa”.
O relatório observa a ironia de Obama ter prometido, em campanha, inaugurar a administração mais transparente jamais vista. Pelo contrário, lembra Glenn Greenwald, repórter investigativo do The Guardian. “Em 2006, quando eu estava escrevendo a respeito dos ataques do governo Bush à liberdade de imprensa, o foco estava em meras ameaças, gerando revolta entre vozes progressistas. Com esse relatório [do Comitê para Proteção de Jornalistas], passamos da esfera das meras ameaças a uma realidade inegável – e o silêncio é tão ensurdecedor quanto é claro o perigo”.

Nessa questão, assim como nos infelizes ataques de drones no Oriente Médio, parece que, de Bush a Obama, tudo mudou para continuar igual – ou ainda pior.

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