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sábado, 1 de setembro de 2012

Diálogo entre Santos e guerrilha marca guinada radical no conflito colombiano

 

Mudanças expressivas dentro e fora do país podem culminar em uma verdadeira chance de paz
    
 
Efe

Desde o início do mandato Santos estabeleceu uma administração que apontava para o desejo de um acordo de paz

Dez anos depois da interrupção das negociações de paz entre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo colombiano, o presidente Juan Manuel Santos, confirmando rumores sobre uma nova aproximação junto aos rebeldes, mudou a agenda política informativa do país.

Aos fracassados acordos de Caguán, seguiram-se oito anos da presidência de extrema direita de Álvaro Uribe, que mudaram o país, respondendo ao cansaço de todos os colombianos diante de um processo inconclusivo, que mais parecia um diálogo entre surdos.

O anúncio gerou todos os tipos de reações: desde os aplausos das organizações sociais e de vítimas, e de uma parte do espectro político, às vozes mais cautelosas e céticas, até o rechaço total da direita mais reacionária, representada justamente pelo círculo em torno de Uribe.

A história colombiana, durante esses 50 anos de conflito, está cheia de intenções de acordos de paz e quebras dos mesmos. Um partido político inteiro, a União Patriótica, para onde convergiram os guerrilheiros desmobilizados com o acordo de 1985 – sob a presidência de Belisario Betancur –, foi exterminado em um ritmo de um homicídio a cada 19 horas durante sete anos.


Pode-se dizer que, na Colômbia, os tratados de paz não foram mais do que a continuação da guerra por outros meios. Por isso, o presidente Santos disse claramente que “não repetiremos os erros do passado”.

Segundo rumores não confirmados oficialmente até o momento, a mesa de negociação se instalaria no começo de outubro, para então seguir em frente em Cuba. O governo confirmou que as negociações começaram aproximadamente há um ano e meio e foram aceleradas desde maio.

De fato, pode-se dizer que o processo de paz esteve na cabeça de Santos desde o dia da eleição. Analisando os primeiros dois anos de mandato, se distingue um caminho que passa pelas leis de vítimas e de terra, até chegar ao Marco Jurídico para a paz, uma lei constitucional em vias de ser aprovada que leva diretamente à negociação com a guerrilha.

Enquanto muitos esperavam que as negociações ficassem para o segundo mandato do atual presidente, a queda da popularidade nas pesquisas de opinião nos últimos meses provavelmente fez acelerar o processo. Antes com 48% das preferências, em junho, Santos já colheu popularidade com as negociações, atingindo 51% em agosto.

Mudanças no governo

Iván Cepeda, representante na Câmara do Pólo Democrático, partido de esquerda que faz oposição a Santos, é um dos analistas que veem positivamente o futuro das negociações: “Nem todo esse processo se explica pelo enfraquecimento das FARC. Claro que é inegável que as FARC receberam golpes muito fortes na estrutura e comando, mas também é certo que o conflito armado segue de forma muito severa”, explica.

De acordo com ele, citando dados do Ministério do Interior, cerca de mil integrantes das forças armadas foram afetados diretamente pelos combates. Além disso, segundo Cepeda, o contexto atual tem facetas importantes que foram pouco analisadas. “Ocorreram mudanças, de natureza econômica, muito importantes. Há TLCs (tratados de livre comércio) com vários países e diferentes cenários aos quais a Colômbia pode ter acesso, por isso é necessário, até sob uma ótica capitalista, buscar a solução a um conflito anacrônico e o mais antigo do hemisfério ocidental”, defende.

Efe

Quatro toneladas de maconha apreendidas pelo exército colombiano. Guerra contra as drogas se tornou custosa

Comparando com 1998, ano em que começou a última negociação, há muitos pontos de diferença que Juan Gabriel Uribe, ex-negociador no último processo e diretor do Nuevo Siglo, e Simón Gaviria, presidente do Partido Liberal, filho do ex-presidente César Gaviria, nos ajudam a evidenciar.

Sob o ponto de vista militar, o conflito mudou. Em 1998, as FARC estavam às portas de Bogotá. Hoje, em contrapartida, podem gerar danos, mas não existe a possibilidade de tomarem o poder. Além disso, em geral, o exército está mais equipado e preparado com uma esmagadora superioridade aérea, que tem feito a diferença.

Mudanças nas guerrilhas

Do lado dos insurgentes, é a primeira vez em que o pedido de diálogo é feito pelas FARC e pelo ELN (Exército de Libertação Nacional) diretamente pelas vozes de Timoleón Jiménez, codinome "Timochenko" e Nicolás Rodríguez, apelidado de "Gabino", seus chefes máximos – isso demonstraria uma vontade real de dialogar. A tese é confirmada pelo fato de que as FARC enviaram quatro negociadores de alto nível, incluindo até “El Médico”, membro do secretariado.

Além disso, outra novidade está no fato de que o ELN e as FARC pedem uma mesa conjunta de negociação. Isso nunca havia acontecido. Na verdade, as negociações geravam certa disputa entre os atores armados. A isso se soma o fato de as FARC anunciarem o fim dos sequestros, que sempre foram um grande ponto de controvérsia nas negociações passadas. Pode-se compreender que o cenário está muito mais favorável do que no passado.

Paramilitares e comunidade internacional

Outro fator que marca uma profunda diferença é que o paramilitarismo se desarticulou em boa parte. De fato, ainda existem grupos neoparamilitares, mas com profundas diferenças frente às antigas AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia). É preciso recordar que, entre 1998 e 2002, enquanto se negociava a paz com as FARC, grupos paramilitares protagonizavam os mais atrozes massacres de que se teve notícia na Colômbia.

No plano internacional, já não estamos em um cenário pós 11 de setembro, de guerra preventiva, que contribuiu para o fracasso do processo de Caguán, quando, segundo Camilo Gonzalez Posso, presidente do centro de estudos Indepaz, uma parte da sociedade colombiana pensou que fosse possível aniquilar militarmente as FARC contando com a ajuda norte-americana. Além disso, a pressão e a presença, em todo o território, da comunidade internacional é outro novo elemento chave de pressão e fiscalização.

A única pessoa que se opõe ferozmente à negociação é justamente o ex-presidente Uribe. "Como este governo vai explicar uma negociação com terroristas que assassinaram os colombianos, como vai negociar a paz com os maiores violadores dos direitos humanos, uns narcotraficantes?", questionou, se esquecendo de que ele mesmo fez um acordo de paz e impunidade com os piores grupos paramilitares do continente, autores de massacres nos quais morreram esquartejados dezenas de milhares de colombianos.

Opera Mundi

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