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domingo, 27 de maio de 2012

A crítica de Bukhárin à economia política do rentista.











Aparecido Francisco Bertochi


RESUMO

Este artigo busca analisar a crítica formulada pelo teórico bolchevique Nikolai Bukhárin à economia marginalista e ao parasitismo dos estratos rentistas das burguesias capitalistas européias no início do século XX. Tentaremos entender quais os fatores que contribuíram em sua refutação metodológica às escolas histórica alemã e a-histórica austríaca de economia. Examinamos assim alguns dos elementos constitutivos de seu pensamento em economia política. Dentre eles destacam-se o surgimento desses estratos rentistas e do capital financeiro, enquanto agentes do processo de internacionalização do capital, por meio do capital financeiro imperialista.
 

Foi no exílio em Viena, na Áustria, que Bukhárin se propôs a um objetivo teórico de fôlego: estudar toda a economia política desenvolvida depois da morte de Karl Marx, em 1883. Após compulsar a literatura econômica moderna, inclusive a das correntes marxistas, decidiu escrever entre 1912-1913, uma de suas mais consistentes obras, que ainda mantém atualidade, A economia política do rentista: crítica da economia marginalista, publicada em 1919. Nela, Bukhárin fundamentava a sua crítica à economia burguesa marginalista e à teoria da utilidade marginal, por meio da análise psíco-sociológica e marxista do indivíduo em relação à produção e ao papel improdutivo exercido na economia pelo burguês rentista, que ao viver somente de juros e de aplicações financeiras não contribui com a produção material da sociedade.

 Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Marília – SP.

Docente da Universidade Estadual do Sudoeste do Paraná - UNIOESTE - Campus de Francisco Beltrão - PR O que motivou Bukhárin a escrever este livro foi dar continuidade à refutação de um artigo de Eugen Böhm-Bawerk, de 1904, no qual criticava O Capital de Karl Marx, atacando os fundamentos da análise marxista da economia capitalista em seu ponto mais vulnerável, a teoria do valor-trabalho, e afirmava a sua própria teoria da utilidade marginal, cujo valor não é determinado pelo trabalho investido no produto, mas pela utilidade que o produto tem para seus compradores. Marx, todavia, partia do valor-trabalho para compreender o lucro e a acumulação capitalistas, visando demonstrar cientificamente a natureza exploradora do capitalismo. Na época este artigo fora respondido pelo economista Rudolf Hilferding, mas, a sua resposta manteve-se no necessário à defesa da doutrina econômica marxista, o que fez Bukhárin entender que era necessário tecer uma crítica interna profunda ao sistema lógico e teórico que sustentava a teoria marginalista.

Na economia política burguesa da época Bukhárin distinguiu duas correntes principais, a escola histórica alemã de Roscher, Hildebrandt, Knies, Karl Bucher, Gustav Schmoller e List, baseada no protecionismo da burguesia alemã diante da concorrência da indústria inglesa no mercado mundial; e a escola marginalista austríaca abstrata de Karl Menger, Frederick von Wiser e Eugen Böhm-Bawerk, voltada à elaboração de abstrações teóricas descoladas da realidade concreta. Ele explicava que a escola histórica por basear-se no protecionismo rejeitava as abstrações e formulações de leis universais, opondo-se aos economistas clássicos, como David Ricardo e Adam Smith, e só tendo por legítimas monografias de caráter empírico. Mas, a escola marginalista austríaca se situava num nível mais alto de abstração teórica, pela utilização de formulações matemáticas. Resultando disto, seu caráter a-histórico e a sua preferência por elaborar leis universais sem basear-se na realidade concreta das diferentes épocas históricas.

Ambas alternativas expressam, conquanto sob forma diametralmente oposta, o fracasso da Economia Política burguesa. A primeira fracassou porque adotou uma atitude negativa diante de toda teoria abstrata em geral. A segunda, porque se satisfez com a elaboração de uma teoria puramente abstrata e ofereceu, dessa maneira, uma série de pseudo-explicações habilmente imaginadas, porém inúteis no referente aos problemas em cuja abordagem o marxismo demonstrou ser particularmente uma teoria eficaz: os relativos à dinâmica da sociedade capitalista atual (Bukhárin, 1974:46).

Segundo Bukhárin (1974), esta escola histórica alemã surge enquanto reação à perpetuação e ao cosmopolitismo dos clássicos, porque a Economia Política clássica, especialmente a inglesa, formulou leis gerais, de validade universal, com forte caráter teórico-abstrato dedutivo. Ele buscava demonstrar também, que a diferença metodológica, entre os clássicos ingleses e a moderna escola histórica alemã, possuía profundas raízes econômicas e sociais. O que se ocultava nessa discussão era o fato de que os economistas clássicos, como David Ricardo, formularam leis gerias abstratas de caráter universal baseadas no processo de desenvolvimento teórico da economia, fomentado pela indústria inglesa. Este cosmopolitismo refletia o desenvolvimento industrial da Inglaterra, a partir de 1750, e sua superioridade tecnológica e teórica em relação ao desenvolvimento capitalista industrial na França e Holanda, que apenas décadas depois se iniciou. Mas, a importação deste modelo industrial para Alemanha e Itália só tardiamente ocorreria com o processo de unificação territorial e a formação de seus Estados nacionais, após 1861-1873.

Neste cenário de desenvolvimento capitalista tardio no continente europeu, no início do século XX, a Alemanha possuía um caráter agrário e atrasado diante da Inglaterra. A indústria metalúrgica alemã, por exemplo, enfrentava a concorrência inglesa nos mercados interno e mundial. Foi essa diferença econômico-industrial que propiciou o surgimento da escola histórica alemã, devido à necessidade prática e teórica da burguesia alemã proteger sua nascente indústria com a adoção de políticas tarifárias e aduaneiras protecionistas pelo Estado Imperial. No campo teórico, por meio da escola histórica, esta necessidade de proteção da indústria alemã ganha outros matizes. Os seus estudos deveriam refletir as circunstâncias e condições materiais concretas da realidade e apontar as reais perspectivas de crescimento da indústria em meio às salvaguardas protecionistas do Estado. Por isso, a refutação desta escola da validade universal das teorias econômicas e de suas leis de caráter geral, desenvolvidas pelos clássicos ingleses.

Se a burguesia inglesa estava dispensada de enfatizar as particularidades nacionais, a burguesia alemã, pelo contrário, devia se mostrar atenta à originalidade e autonomia da evolução alemã e servir-se delas a fim de demonstrar teoricamente a necessidade de um protecionismo para o desenvolvimento. O interesse teórico se concentrava, com efeito, no historicamente concreto e nacionalmente limitado. A teoria servia exclusivamente para pôr em evidência estes aspectos específicos da vida econômica. De um ponto de vista sociológico, a escola histórica foi a expressão ideológica deste processo de crescimento da burguesia alemã que, temerosa da concorrência inglesa, buscou apoio para a indústria nacional e, por isso, salientou as particularidades nacionais e históricas da Alemanha e outrossim, generalizando o procedimento, as de outros países (Bukhárin, 1974:46).

Num quadro econômico histórico amplo, estas posições divergentes teoricamente, a clássica inglesa e da escola histórica alemã, poderiam ser genérica e comparativamente semelhantes nalguns aspectos, pois refletiam os seus posicionamentos teóricos no contexto do processo de desenvolvimento da industrialização capitalista nacional. Mas, o lugar ocupado pela Inglaterra, pioneira no processo de desenvolvimento industrial capitalista, permitiu que as leis gerais abstratas da Economia Política ganhassem importância e contornos universais.

Isso se justifica, porque o modelo inglês foi transplantado aos países europeus e as colônias. Esse foi o caso da Alemanha, que também importou dos ingleses seu modelo industrial, que, devido às peculiaridades dum país agrário atrasado, necessitou depois criar suas bases materiais para acelerar esse desenvolvimento visando sobreviver à competição no mercado mundial. Foi esse processo, destinado ao desenvolvimento industrial nacional autônomo que levou ao surgimento da escola histórica na Alemanha, para pensar e justificar a importância, nessa realidade local-nacional, das políticas protecionistas que resguardassem as suas frágeis bases industriais, como elucida Bukhárin:

De um ponto de vista genérico-social, tanto a escola histórica como a clássica são nacionais, na medida em que ambas são o produto de uma evolução histórica e localmente limitada. De um ponto de vista lógico, não obstante, os clássicos são cosmopolitas e os partidários da escola histórica são nacionais (idem).

Portanto, o pensamento econômico clássico inglês só se universalizou devido ao pioneirismo do desenvolvimento capitalista naquele país. Mas, substancialmente, foi fruto dum desenvolvimento industrial nacional semelhante ao que, décadas depois, ocorreu na Alemanha. O fator diferenciador, neste caso, está na não-aceitação da validade teórica universal das teorias e leis gerais abstratas, formuladas no século XIX pelos clássicos ingleses, pelos teóricos da escola histórica alemã, pois estava em jogo o desenvolvimento industrial alemão e a sua sobrevivência diante da concorrência inglesa e dos países industrializados anteriormente. Por isso Bukhárin atrela o processo de desenvolvimento da escola histórica alemã ao protecionismo, pois a sua vocação empirista monográfica dava o suporte e a legitimação teórico-lógica para, a partir da realidade nacional, justificar medidas protecionistas do Estado, exigidas pela burguesia industrial alemã. Para Bukhárin, a constituição dessa escola estava desde o início ligada ao protecionismo nacional: “o movimento protecionista alemão converteu-se, assim, no berço da escola histórica”(1974:47).

Tal fato foi responsável por engendrar o surgimento de tendências de vários tipos e diferentes características teóricas. Porém, particularmente, fomentou a sua principal corrente de pensamento, representante da conservadora burguesia rural alemã, a escola histórica nova ou histórico-ética, idealizada por Gustav Schmoller. O que caracterizava essa escola era a atitude negativa face à teoria abstrata, que segundo Bukhárin: “parecia aos cientistas como sinônimo de absurdo” (1974:47), gerando o repúdio a produção de teorias e leis de caráter abstrato ou geral na Economia Política. Por isso, validava apenas estudos com caráter estreitamente empírico e monográfico refratário a toda generalização.

Isso, no entanto, o levou a incidir num erro teórico, que depois geraria polêmicas com os stalinistas e teria repercussões negativas à sua carreira política. Seu erro foi prever o fim da Economia Política, que deixaria de ser uma disciplina de estudos específicos autônoma e seria substituída na sociedade socialista, por um tipo de geografia econômica e por uma política econômica da base material da sociedade. Segundo Bukhárin, “a rejeição da teoria geral constitui precisamente a negação da Economia Política como disciplina teórica autônoma, a declaração de sua bancarrota” (1974:48).

Noutra análise, argumenta contra a escola a-histórica austríaca, visando responder suas críticas ao marxismo. Tal teoria era ministrada no curso de Economia da Universidade de Viena por Böhm-Bawerk, Karl Menger e Wieser, no qual, Bukhárin participou como ouvinte. Uma das características dessa escola é a sua rejeição ao historicismo, pois seus teóricos consideram necessário observar os fenômenos típicos e as leis gerais da Economia Política. Ou seja, de maneira empirista, aos cientistas dessa corrente de pensamento, era necessário se desenvolver férreas leis exatas, como se isso fosse epistemologicamente possível no campo da economia capitalista.

Bukhárin, por meio da obra Der bourgeois, de Werner Sombart, faz uma análise histórica e psicológica sobre o espírito burguês em seu aspecto decadente, nas principais formações econômico-sociais capitalistas dos séculos XVII e XVIII. Dessa forma, buscava as origens do surgimento duma fração rentista no interior das classes burguesas dedicadas as altas finanças durante o ancien régime na Inglaterra, França e Holanda. Inferiu assim, que esta decadência não levou uma camada dessas classes ao processo de refeudalização, como em outros países europeus. Este espírito capitalista burguês decadente os transformou numa fração rentista, separada da burguesia ativa e produtiva. Uma parcela das classes burguesas voltadas às finanças passou a viver de aplicações financeiras, sobretudo, em letras do tesouro nacional dos países, sem vínculo direto com a produção social material das sociedades em que viviam.

Transplantar sua análise à modernidade não foi difícil para ele, pois a evolução capitalista sofreu profunda aceleração no processo de acumulação de capital, nas últimas décadas do século XIX e início do XX. Tal processo resultou na transformação da economia de livre concorrência em monopolista, em sua fase imperialista, por meio da fusão dos capitais industrial e bancário e gerou o capital financeiro. Esse capital engendrou os grandes cartéis e trusts que passaram a concorrer no mercado mundial. Portanto, estas transformações contribuíram para acelerar o crescimento desta fração rentista na sociedade capitalista mundial, facilitado com o surgimento das empresas de sociedades anônimas, do sistema de créditos e empréstimos a países pobres e da especulação em bolsas de valores.

O número destes indivíduos cresce, a ponto de chegar a formar uma classe social: a dos rentistas. Este estrato da burguesia, ainda que não constitua uma classe no sentido específico da palavra, senão um grupo com características próprias no interior da burguesia capitalista, apresenta certas notas distintivas que o caracterizam e que derivam de sua psicologia social. A expansão das sociedades anônimas e dos bancos e a crescente influência da Bolsa engendram e consolidam este grupo social. Sua atividade econômica se exerce essencialmente no plano da circulação, sobretudo de títulos e valores, e nas transações da Bolsa. É significativo o fato de que, no interior deste estrato social, que vive de rendas produzidas por estes valores, existam diferentes matizes. O caso limite é representado pela camada situada fora não só da produção como também do próprio processo de circulação (Bukhárin, 1974:49).

Ao analisar as características principais desse novo estrato social, os rentistas, ele ressalta seu caráter parasitário, pois sua atividade se exerce no campo do consumo. “A vida inteira do rentista se baseia no consumo e a psicologia do consumo em estado puro, constitui seu estilo particular de vida”(BUKHARIN,1974:50). Ainda, baseando-se em Sombart, conclui que as características psicológicas deste estrato rentista aparentam-se às da nobreza decadente e às da aristocracia financeira de fins do ancien régime (idem). Bukhárin tece uma comparação entre os modos de vida do proletariado e dos rentistas e indica que a principal característica desse estrato rentista é a sua completa separação de todo o processo de vida econômica da sociedade. Por isso, para essa parcela rentista, o trabalho produtivo concreto seria algo fortuito e à margem de seu horizonte visual, que se limita apenas ao presente.

Para ele, isso reforçaria a característica psicológica do rentista como consumidor passivo que não possui, como o proletariado que vive na esfera da produção social, uma mentalidade ativa de produtor socialmente útil, e concluía que a segunda característica importante do estrato rentista seria o seu individualismo crescente. Bukhárin (1974:52), afirma que a terceira característica deste estrato rentista seria, como no caso da burguesia em geral, o seu temor ao proletariado e o medo às eminentes catástrofes sociais.

Na sua concepção, tais aspectos da consciência social do rentista, derivados de seu ser social, determinam a sua consciência no aspecto teórico e no nível das idéias científicas. Para Bukhárin a psicologia seria a base da lógica, pois os sentimentos e as propensões determinariam a orientação geral do pensamento e a perspectiva pela qual se considera a realidade antes de submetê-la à lógica. Por isso, se a análise duma frase isolada de uma teoria qualquer não desvenda a sua infra-estrutura social, um estudo das características distintivas e do aspecto geral do sistema permitiria observar essa infra-estrutura. Portanto, para ele cada frase teria um sentido novo, se configuraria na trama de todo encadeamento, traduzindo a experiência duma determinada classe ou de um grupo social dado (1974:52). Retomando a análise da escola austríaca, enfatiza sua característica lógica distintiva procedendo à comparação metodológica entre a escola austríaca e o marxismo, e afirma que, diferentemente de Marx, cuja análise parte da produção capitalista como categoria histórica específica, o objetivo principal do rentista é a solução do problema do consumo, e que essa constitui a posição teórica fundamental e característica da escola austríaca.

A partir disso, inferiu que as teses da escola austríaca e da marginalista tinham por base comum o subjetivismo e o individualismo do sujeito econômico, e que elas pouco se diferiam das teorias, baseadas na análise da utilidade e do valor de uso dos bens, dos pensadores do século XIX, como Adam Smith. Os mesmos procedimentos teóricos e metodológicos se expressavam nas primeiras décadas do século XX, na escola anglo-americana, cujo expoente era J.B.Clark. Essas teorias embasam o pensamento econômico neoliberal atual de globalização econômica ditada pelo FMI e Consenso de Washington. O que demonstra a atualidade da crítica formulada por Bukhárin, no início do século XX.

Um aspecto importante de A economia do rentista é não fazer uma análise crítica superficial à escola austríaca e a marginalista. Ao contrário, ele aprofundou sua crítica metodológica da economia burguesa moderna a partir da comparação com a teoria marxista. Desta forma, pôde caracterizar no interior da burguesia como classe social, o estrato dos rentistas, demonstrando a sua ligação teórica estreita com o subjetivismo e o individualismo atomístico de Böhm-Bawerk. Bukhárin comprovou metodologicamente que as teses da escola austríaca partiam das análises das motivações psicológicas do indivíduo isolado e das análises das motivações dos sujeitos econômicos, fazendo abstração de toda correlação social. Por isso, as refuta cientificamente, alegando que essas teorias, ao partir de uma análise do indivíduo social atomizado, não refletiriam a realidade econômica concreta do modo de produção capitalista, pois se fundavam em uma formulação errônea ao fazer da consciência individual do sujeito econômico, o ponto de partida de sua análise teórica e o centro gravitacional de sua argumentação a-histórica.

Com efeito, enquanto “Marx concebe o movimento social como um processo histórico-natural regido por leis que não somente são independentes da vontade, da consciência e da intenção dos homens, senão que, ademais, determinam sua vontade, consciência e intenções [...]” (trecho da crítica de Kaufmann citado pelo próprio Marx), Böhm-Bawerk faz da consciência individual do sujeito econômico o ponto de partida de sua análise (Bukhárin, 1974:57).

Essa oposição entre método objetivo e subjetivo, segundo Bukhárin, caracteriza a oposição entre o método social e o método individualista. Por isso, sublinha, como Marx, a independência com relação à vontade, à consciência e às intenções humanas; para, em segundo lugar, buscar definir com precisão esse sujeito econômico, do qual parte a escola austríaca em suas análises econômicas. A sociedade moderna capitalista anárquica, objeto de estudo da Economia Política, em cujo mercado atuam forças elementares como a concorrência, flutuação dos preços, bolsas de valores etc., comprova que o produto social governa seus criadores e que o resultado dos motivos geradores da ação dos sujeitos econômicos individuais, mas não isolados, não correspondem a esses motivos e, em certos casos, encontra-se em violenta oposição a eles.

Recorrendo à análise da mercadoria de Marx no livro primeiro de O Capital, Bukhárin afirma que metodologicamente “este fenômeno expressa o caráter irracional, elemental, do processo econômico desenvolvido nos marcos da economia de mercado e aparece claramente na psicologia do fetichismo das mercadorias” (1974:58). Uma vez que se produz no interior da economia mercantil o processo de reificação (Verdinglichung) das relações humanas, em que tais expressões coisificadas (Dingausdrücke) têm existência autônoma independente, submetida a leis específicas próprias apenas deste tipo de existência, enquanto conseqüência do caráter elemental do próprio desenvolvimento capitalista.

Bukhárin quer dizer que o método dialético consiste em determinar quais sãos as leis reguladoras das relações entre os diferentes fenômenos sociais capitalistas. Marx analisa as leis da dinâmica do desenvolvimento do sistema capitalista, que regem os resultados das vontades particulares, mas sem examinar estas vontades como tais, sem analisá-las como vontades individuais. Ele analisa essas leis que governam os fenômenos sociais, abstraindo sua relação com os fenômenos dependentes da consciência individual. Portanto, o método de Marx é conceitualmente diferente da forma metodológica com que Böhm-Bawerk analisa os sujeitos econômicos como átomos isolados, abstraindo das correlações sociais resultantes da própria determinação da infra-estrutura econômica da sociedade capitalista, nas quais este indivíduo, por mais isolado que estivesse, encontrava-se imerso, pelo fato dos homens viverem em sociedade. Por isso, avalia que Böhm-Bawerk se equivoca metodologicamente ao tomar como centralidade teórica o sujeito econômico isolado.

Böhm-Bawerk escamoteava o cerne da questão metodológica, que era desenvolver uma análise sobre o que caracterizava o intercâmbio capitalista, pois o capitalismo constitui a atual forma historicamente desenvolvida da produção de mercadorias. Era esta relação capitalista de intercâmbio historicamente situada e determinada que deveria ser objeto de sua análise e não o intercâmbio indistinto, a-histórico e desconectado de qualquer formação sócio-econômica histórica e especificamente determinada, como o era e continua a ser o sistema capitalista. Bukhárin realçava a diferença metodológica entre os fundamentos das escolas histórica empírica alemã de List e Schomoller e da austríaca abstrata matemática a-histórica, baseada na teoria de Böhm-Bawerk, porque essa caracterizaria a antítese da ideologia proletária, objetivismo versus o subjetivismo, o ponto de vista histórico versus a perspectiva a-histórica, o ponto de vista da produção versus o do consumo.

Precisamente porque corresponde à ideologia de um tipo marginal da burguesia, a escola austríaca constitui a antítese perfeita da ideologia proletária: objetivismo versus subjetivismo, ponto de vista histórico versus perspectiva a-histórica, ponto de vista da produção versus ponto de vista do consumo - esta é a diferença metodológica, tanto dos fundamentos da própria teoria como de toda a construção teórica de Böhm-Bawerk (Bukhárin,1974:54).

Porém, nunca será demais reafirmar a atualidade desta obra bukhariniana, nem que consiste numa das críticas mais profundas aos equívocos metodológicos das escolas histórica alemã e a-histórica austríaca e, também, da teoria marginalista, que embasam o pensamento econômico e anti-científico pós-moderno capitalista atual. Escolas estas cujas raízes teóricas e metodológicas fundamentam as teorias econômicas que intentam legitimar o projeto de dominação mundial capitalista de globalização econômica, baseado no ideário neoliberal do FMI e do Consenso de Washington, imposto às nações do mundo visando o saqueio de suas riquezas naturais e a superexploração de sua força de trabalho. Sobretudo, em relação ao emprego do capital financeiro de natureza especulativa desse estrato rentista da sociedade capitalista mundial que Bukhárin, ainda em 1914, desvendou a existência parasitária.



Referências bibliográficas

BUKHARIN, N. La economía política del rentista: crítica da economía marginalista. Córdoba: Pasado y Presente, 1974.

COHEN, S. Bukharin: uma biografia política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

GORENDER, J.(Org.). Bukhárin - História. São Paulo:Ática, 1988.

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